A pequena e singela aldeia de Varge localiza-se no concelho de Bragança, no coração do Parque Natural de Montesinho, em Trás-os-Montes. É uma das mais típicas e genuínas aldeias transmontanas e famosa pelos seus caretos: os caretos de Varge. Mas ao contrário do que acontece em Podence, aqui os caretos andam à solta pelas ruas durante o Natal e não no Carnaval.
Chamam-lhe a “Festa dos Rapazes” e acontece todos os anos durante o solstício de Inverno. Entre os dias 24 e 26 de Dezembro, os jovens da aldeia (mesmo aqueles que partiram para outras paragens) reúnem-se para dar vida a uma das mais emblemáticas tradições populares portuguesas.
Fazem-no com um orgulho imenso na sua terra, na sua cultura e nas suas tradições. É um misto de honra, de dedicação e de respeito pelas suas origens que os motiva para que esta tradição secular se mantenha viva. Esteve quase a cair no esquecimento, tal como outras festas de outros caretos transmontanos, mas sobreviveu e hoje está mais forte do que nunca.
Tudo começa no dia 24 de Dezembro: os rapazes solteiros da aldeia reúnem-se e preparam em segredo o que irá acontecer. No dia seguinte, 25 de Dezembro, o dia começa bem cedo na aldeia. Todos se reúnem na igreja para a missa de Natal. E após a missa, eis que surgem os caretos.
Espalham o caos e a desordem pelas ruas da aldeia, saltam, gritam e riem ao som dos seus chocalhos. Atiram feno ao povo, “achocalham” as raparigas mais novas (e algumas mais velhas também), provocam os animais e espalham a água das fontes. Sempre acompanhados por um gaiteiro e por um bombo.
E a dada altura, eis que chega um dos pontos mais altos da Festa dos Rapazes de Varge: o “cantar das loias”. Critica-se e ridiculariza-se acontecimentos e condutas dos habitantes da aldeia durante o ano que termina. São uma espécie de “juiz popular em versão cómica” e por vezes são acompanhadas de representações teatrais.
As loas podem encerrar duras críticas ou serem apenas uma simples brincadeira. Mas o certo é que ninguém pode levar a mal o comportamento dos Caretos. Estas representam o encerramento do ano velho e a promessa de abundância e fertilidade para o ano novo que está prestes a começar.
A festa continua durante a hora do almoço, com os Caretos a saltarem de casa em casa a ameaçar fazer alguma travessura caso não recebam uma oferenda, que normalmente consistem em bolos, enchidos ou vinho do Porto. É também neste dia que se escolhem os mordomos que irão presidir às celebrações no ano seguinte.
Esta celebração tem origem pagãs celtas, embora misturadas com outros rituais romanos. Apesar de se celebrar no Natal e até incluir missas, a sua origem nada tem de cristão. O objetivo era celebrar a fartura das colheitas e esperar que o próximo ano também fosse bom. Era também um ritual de passagem para a idade adulta para os Caretos.
Hoje, a Festa dos Rapazes de Varge, é sobretudo um dos ícones da cultura de Trás-os-Montes. É uma lembrança do isolamento a que estas povoações estavam sujeitas e que criou as condições para que estas tradições se mantivessem durante tanto tempo.
E é ainda um vestígio da vida comunitária que era tão comum nestas aldeias há umas décadas atrás. As aldeias comunitárias já quase não existem mas eram muito comuns nesta região de Trás-os-Montes. A entreajuda entre os vizinhos era a única forma de sobreviverem nestes locais isolados e agrestes.
Já que está em Varge, aproveite para visitar outras típicas aldeias transmontanas que se localizam bem perto. O destaque vai para Rio de Onor, Montesinho e Gimonde. Em qualquer uma delas irá encontrar todo o encanto da simplicidade de Trás-os-Montes: casas de pedra, boa comida e gente que sabe receber quem os visita.
Aproveite e passei também pelo Parque Natural de Montesinho, um dos maiores de Portugal. Pode dar um salto até Espanha e visitar a aldeia medieval de Puebla de Sanabria. Ou pode ficar-se do lado de cá da fronteira e apreciar toda a beleza de Bragança ou Vinhais, por exemplo.
E no fim da sua visita a Varge, não vá embora sem antes comprar uma pequena lembrança ou um produto regional. Além de ajudar o comércio local, irá também contribuir para que os seus habitantes possam continuar a viver aqui e a recebê-lo sempre de braços abertos.